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Em Wuhan, capital da província de Hubei, na China, no final de 2019, foi detectado um surto de síndrome respiratória aguda grave, com alta transmissibilidade [1]. Uma nova linhagem viral de Coronavírus, denominado SARS-CoV-2 (Severe acute respiratory syndrome coronavirus 2), responsável pela doença denominada COVID-19, foi identificada através de técnicas laboratoriais.
Estudos recentes têm demonstrado que a transmissão do vírus SARS-CoV-2 ocorre de forma rápida entre seres humanos, por permanecer viável em aerossol por horas e em superfícies por dias.
Em função da presença desta nova doença respiratória, com indícios de transmissão pelo ar, ambientes climatizados que não possuem sistema de adequado de renovação e tratamento de ar tornam-se fatores de riscos, podendo contribuir para o aumento na transmissão desta doença.
O aumento na renda média das famílias brasileiras proporcionou importantes mudanças no cotidiano e, dentre as demandas por conforto, observou-se um aumento na presença de sistemas de climatização nas residências.
Segundo a Empresa de Pesquisa Energética, então pertencente ao Ministério de Minas e Energia, entre 2005 e 2017, o consumo de energia no setor residencial triplicou devido a condicionadores de ar, indicando a magnitude da transformação. Apesar desse levantamento ter focado no setor residencial, esta expansão também ocorreu em outros setores. Gradualmente o padrão construtivo tem sofrido alterações, de modo que a climatização dos ambientes tem se deslocado do patamar de elemento opcional para elemento essencial (principalmente em cidades de clima quente).
No entanto, a conjuntura atual demanda uma revisão do que é aceitável, pois convive-se atualmente com uma pandemia de uma doença respiratória grave, com fortes indícios de transmissão aérea e não somente por contato, como imaginava-se originalmente. Sendo assim, ambientes climatizados que não possuem condição adequada de renovação e/ou tratamento de ar são fator de risco adicional de transmissão desse tipo de doença.
A renovação de ar é um importante parâmetro e precisa ser considerado em projetos de climatização, e tem como intuito garantir a qualidade do ar interior, se fazendo presente em diversas regulamentações em todo o mundo, e no Brasil é normatizado pela NBR 16401-3. Todavia muitos casos as instalações de ar-condicionado contam apenas com a renovação de ar através de infiltração por frestas de portas, janelas, pela entrada e saída de pessoas.
Os projetos de sistemas de ar-condicionado que consideram renovação de ar utilizam equipamentos que insuflam o ar exterior de acordo com as condições de projeto. As figuras 1 e 2 abaixo apresentam dois exemplos dos processos descritos.
A renovação mecânica está mais presente em ambientes dotados de sistema de climatização central e em instalações que seguem normatização Quando o ambiente é dotado de ar-condicionado do tipo split ou mesmo modelos de janela, não é incomum haver equipamentos adicionais como gabinetes de ventilação ou exaustores/insufladores de ar. É importante esclarecer que é possível a instalação de equipamentos de renovação em ambientes que não os possuem atualmente, mas existem alguns cuidados que devem ser observados.
Figura 1: Em primeiro plano na imagem é possível identificar um sistema de renovação mecânica utilizando gabinete de ventilação
Figura 2: Sala de aula com equipamento de ar-condicionado do tipo split (ou ductless) sem renovação mecânica.
Considerando a adaptação de ambientes para que passe a contar com renovação mecânica de ar, é preciso avaliar o impacto da injeção de ar exterior (que está a uma temperatura mais alta) e se os equipamentos atuais suportarão o consequente incremento da carga térmica.
Como os sistemas já instalados foram dimensionados em um contexto diferente do atual, se os mesmos não possuíam previamente a necessidade de lidar com renovação constante do ar ambiente, podem não estar preparados para uma nova fonte de calor dessa magnitude.
A inserção de ar externo com a frequência requerida na conjuntura atual de risco alto de contaminação pelo vírus SARS-CoV-2, que é o equivalente à troca por completo do ar ambiente várias vezes por hora, tem potencial para aumentar a carga térmica do ambiente a um patamar maior do que os projetos instalados de climatização comportam.
Neste particular cabe ressaltar que ambientes com temperatura 1 ou 2°C acima do valor mais tradicional não irá provocar desconforto na maioria das pessoas, A carta psicométrica de conforto fornece uma boa ideia do assunto.
Figura 3:Carta psicométrica de conforto
Como os espaços simplesmente não foram pensados para a atual realidade de enfrentamento de uma pandemia de doença respiratória aguda grave com fortes indícios de transmissão aérea, é preciso assegurar que há potência suficiente para alcançar os mesmos parâmetros. Um dos estudos relacionados com maior repercussão até o momento, e significativa cobertura na mídia brasileira , relata o rastreamento de três famílias contaminadas por um único indivíduo através do sistema de ar condicionado de um restaurante.
Ao analisar os elementos em comum entre os indivíduos contaminados constatou-se que as mesas das três famílias se encontravam alinhadas com a mesma unidade evaporadora do sistema de ar-condicionado, conforme a figura 4, portanto, todas recebiam a projeção do mesmo fluxo de ar. Não houve identificação de qualquer contato físico entre os contaminados ou compartilhamento de objetos, conflitando com a forma de contágio conhecida até então, que se dá através de gotículas de saliva. Tampouco outro indivíduo presente no restaurante na mesma ocasião, clientes ou funcionários, se contaminou.
Figura 4 : As pessoas em vermelho representam os indivíduos contaminados durante a exposição e a marcação em amarelo o único indivíduo com indicativo de contaminação previamente ao ocorrido.
A conclusão do estudo foi de que gotículas aerossóis (abaixo de 5μm) que são capazes de permanecer por longos períodos suspensos no ar e alcançar longas distâncias foram propagadas pelo ar-condicionado para as outras mesas, assim como suspeita-se que tenha ocorrido durante as epidemias de SARS e MERS.
Para melhor compreender como é possível que a hipótese de transmissão por aerossol seja uma explicação minimamente viável, sem que tenha ocorrido a disseminação para outros indivíduos presentes no restaurante, é importante esclarecer como ocorre a movimentação de correntes de ar.
A movimentação do ar é influenciada por uma série de fatores, podendo facilmente assumir padrões com baixa troca em regiões vizinhas, como se houvesse compartimentos delimitados por barreiras invisíveis, nem sempre as correntes se misturam. Desta forma é possível que mesmo num ambiente fechado haja concentração desigual de contaminantes na área e este é o caso levantado no artigo.
O estudo presume que as pessoas sofreram exposições a diferentes concentrações de ar contaminado devido às correntes de ar, justificando a contaminação somente dos indivíduos das mesas A, B e C da figura 4 e não de todos os presentes no ambiente.
O ineditismo e dinamismo da situação atual ainda não permitiram a existência de soluções exaustivamente validadas para a adequação de espaços de uso coletivo climatizados. Portanto, é necessária a construção das soluções considerando o conjunto de características específicas de cada cenário.
Este método de adequação se encontra alinhado com a recomendação atual de órgãos de saúde. Por isso, tem como vantagens o fato de já estar sendo adotada massivamente, ser de baixo custo, possibilidade de implementação imediata e sem qualquer necessidade de intervenção na infraestrutura dos ambientes.
Figura 6: Dispersão de aerossóis em ambiente fechado após 20 minutos
Como a transmissão do SARS-CoV-2 por via aérea ainda está sendo estudada, não se tem
definido qual a concentração de partículas contaminadas suspensas no ar é suficiente para gerar uma infecção viável, tornando difícil estabelecer o grau de risco de ambientes confinados. Soma-se a isso a variabilidade da capacidade de retenção das máscaras caseiras às partículas na faixa dimensional do aerossol.
Como há diferentes ambientes, com pluralidade de condições demandando adequações, uma medida que pode ser adotada para viabilizar uma intervenção precisa em cada um deles, é a simulação computacional.
Um recurso para diluir a concentração de partículas no ambiente condicionado é pela injeção de ar externo filtrado diluindo a carga viral do ambiente.
A ABNT-NBR 16401-3 que vai a consulta nacional em 2021, no anexo E fornece procedimentos de cálculo para alcançar a concentração de partículas desejada considerando o ar externo, a geração de partículas interna e as classes de filtros disponíveis, inclusive já existe software que faz este cálculo de acordo com este procedimento.
Um vírus não fica em suspensão no ar a menos que esteja aderido a uma partícula de aerossol ou pó e são estas que devemos controlar através de filtragem e diluição.
A injeção de ar externo filtrado pode ser individual no ambiente:
Figura 7:Equipamento de injeção de ar externo individual-Externo
Em sistemas centrais o ar resfriado é distribuído através de dutos para os ambientes e o ar com contaminante é recirculado e filtrado e é essencial injetar o ar externo de renovação filtrado no equipamento central ou na sala de máquinas diluindo o ar do ambiente.
Figura 8:Equipamento de injeção de ar externo central
A admissão de ar externo implica na introdução de carga termica pois normalmente o ar externo tem uma temperatura superior ao ambiente condicionado. Para recuperar parte deste calor podemos recorrer a um recuperador de calor conforme a figura 9
Figura 9:Recuperador de calor CRS
Neste dispositivo o ar frio exaurido resfria o ar externo que entra sem contado ou contaminação entre ambos conforme figura 10, com uma eficiência em torno de 68% na recuperação de calor.
Figura 10:Recuperador de calor CRS
Na figura 11 podemos ver o fluxo do ar externo em relação ao ar de exaustão e este sistema pode ser utilizado tanto para resfriar ou aquecer o ar externo dependendo da estação do ano.
Figura 11:Recuperador de calor CRS
A pandemia causada pelo vírus SARS-CoV-2 e seus recentes indícios de transmissão do vírus por via aérea trouxeram a necessidade de revisão de práticas e infraestrutura de climatização. Este texto buscou elencar os principais pontos para embasar a discussão dos problemas e possíveis soluções. No entanto, ele não é exaustivo, novas informações podem mudar drasticamente todo o panorama.
Dentre as opções apresentadas a escolha deve ser precedida de uma análise conjuntural para determinar seu grau de viabilidade. Lamentavelmente, enquanto não houver vacina e tratamentos eficazes para a COVID-19, não há possibilidade de regressar a antigos padrões, sem incorrer em riscos sérios à saúde pública porem com os cuidados apontados é possível minimizar os riscos de contágio não só do COVID-19 como de todas as doenças transmissíveis pelo ar ou contato direto.
Fica todavia uma certeza o controle da qualidade do ar interior pela renovação e filtragem do ar do ambiente é e será uma preocupação tão importante quanto o controle de temperatura e umidade do ar do ambiente interno tendo em vista também que existem além da COVID-19 outras doenças contagiosas transmissíveis pelo aerossol ou particulado em suspensão, algumas até mais letais.
Fonte: https://www2.ufjf.br/noticias/
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